O Fim da Fotografia de Shows internacionais? O Brasil Vive o Apagão Visual dos Grandes Palcos
- Ton Müller

- 19 de nov.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 7 dias
A era em que celulares registram tudo, mas a imprensa é barrada do fosso: o fim de uma tradição nos shows internacionais.

Durante décadas, a fotografia de shows internacionais foi mais do que um registro cultural. Ela foi uma ponte entre artistas e público, um documento estético que ajudou a definir gerações inteiras por meio de imagens icônicas capturadas à beira do palco. Essa tradição, porém, está desaparecendo silenciosamente no Brasil. Grandes turnês internacionais que antes abriam espaço para dezenas de fotógrafos credenciados agora chegam com listas de proibições mais longas que o setlist. O que era terreno fértil para fotojornalistas se transformou em uma zona restrita comandada por equipes internas de marketing.
Shows recentes ilustram esse cenário. Green Day, o futuro show do AC/DC e até mesmo eventos históricos como o Oasis no Brasil negaram o acesso de fotógrafos da imprensa. O caso mais emblemático é o do Guns N’ Roses, que ao longo de toda a sua trajetória liberou a fotografia profissional apenas em um único festival. A razão é conhecida: Axl Rose prefere evitar que imagens pouco lisonjeiras circulem por aí. A preocupação é compreensível, mas o efeito final é paradoxal.

Isso porque o uso de celulares pelo público não é proibido. Enquanto profissionais ficam do lado de fora, o público inteiro registra cada segundo com smartphones cada vez mais avançados, capazes de zooms impressionantes e nitidez surpreendente. Essas imagens, muitas vezes tremidas, feitas no momento errado ou com expressões desfavoráveis, circulam livremente. E são justamente o tipo de foto que os artistas dizem querer evitar.
O impacto dessa mudança vai muito além da frustração dos fotógrafos. Representa uma perda cultural profunda. A fotografia profissional de shows não registra apenas artistas e palcos, mas traduz a energia de uma geração, documenta a estética de uma época e captura detalhes que o olhar comum não enxerga. É história. É memória. E está sendo apagada em nome de um controle absoluto da própria imagem.

Para muitos fotógrafos jovens, especialmente aqueles que cresceram admirando grandes imagens que marcaram o rock e o pop mundial, essa situação é dolorosa. Eles sonham com o primeiro clique no fosso, com o êxtase de fotografar seus ídolos em plena explosão de luz e som. Mas esse rito de passagem está sendo negado. A imprensa perdeu espaço para equipes internas das bandas, que controlam cada ângulo e publicam apenas o material que reforça a estética desejada.
Quem depende economicamente desse tipo de trabalho também sofre. A cobertura de grandes shows sempre foi uma fonte importante de renda e visibilidade para fotógrafos brasileiros. Hoje, essas oportunidades estão rareando rapidamente, e a sensação é de um mercado que se fecha enquanto a demanda por imagens cresce.
Vivemos um momento de contradição. Os artistas temem uma imagem “imperfeita”, mas o público continua livre para registrar tudo, inclusive momentos que podem prejudicá-los mais do que qualquer foto profissional. Na tentativa de controlar a narrativa visual, muitas bandas acabaram criando um vácuo histórico: a ausência de registros qualificados que representem, de forma honesta e potente, a experiência de um show ao vivo.

O que já está claro é que o Brasil vive o fim silencioso da fotografia de shows. E esse desaparecimento nos obriga a refletir sobre o que perdemos ao silenciar uma lente que, por tantas décadas, ajudou a contar a história do palco. A música sempre precisou da fotografia tanto quanto a fotografia precisou da música. Quando essa união se rompe, nossa memória coletiva também se desfaz um pouco.
Ton Müller, Novembro 2025










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